sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Tapui

Era uma vez um índio chamado Tapui. Todos os dias, quando criança, Tapui andava até a margem do rio com os outros curumins, mas nunca entrava na água. Seus amigos faziam brincadeiras, pescavam e aprendiam a nadar. Mas de algum modo, Tapui sabia que não devia entrar na água do rio, uma intuição lhe afirmava que algo aconteceria e este fato lhe causava medo e um inexplicável fascínio, imperceptível a olhares externos.

Assim sendo, num dia de forte chuva, a avó paterna de Tapui o levou até o pajé, que por sua vez levou o curumim para dentro de sua oca. Lá, queimou ervas secas que só existem em matas ribeirinhas e que só devem ser queimadas em dias de muita chuva, porque quando queimadas crepitam e revelam segredos do Reino das Águas. Devem ser queimadas em dias assim para que a Iara não escute os segredos de seu reino sendo entregues.

O pajé então, já com longa experiência em fazer as perguntas certas às ervas ribeirinhas, fez-se saber do mistério de Tapui. Mais do que isso, as ervas lhe contaram sobre o destino do menino, que seria obrigado a morar no Reino das Águas, dentre outras coisinhas. Sábio e prudente, o pajé decidiu nada contar à avó de Tapui ou até mesmo ao próprio, mas para prepará-lo para seu destino, precisava tornar o curumim um jovem conhecedor dos rios de sua mata. Para isso fez uma canoa e em seu casco pintou um peixe esplendoroso, vermelho e com ar destemido. No remo, amarrou um punhado de algas mágicas que afastariam qualquer inimigo, desde que não fosse importunado. Para finalizar, fez um encantamento para que a canoa nunca afundasse.

Acabando a época das chuvas, no primeiro dia em que a terra assentou no leito do rio e os peixes voltaram a se exibir, o pajé levou Tapui ao rio mais próximo e o ensinou a remar na canoa. E advertiu ao curumim:

- Jovem Tapui, aprende a conduzir esta canoa por todos os caminhos de água que a nossa tribo conhece, não maltrate nenhum ser de qualquer rio, nem uma simples pedra, que nem um mal lhe acontecerá. Não toque jamais a água, nem durma na canoa. Esta canoa foi encantada para nunca afundar, nem que os mais perigosos peixes ou que as mais encantadoras sereias tentem. Mas é importante que você nunca toque a água dos rios.

O curumim logo se tornou um belo jovem, que possuía uma coragem rara. Era o tipo de coragem que só conquista quem tem a ilusão de ter dominado as causas de seus medos. E Tapui acreditava que a canoa era suficiente para não temer o rio.



Com o tempo, foi além de esquecer o medo; perdeu o respeito pelo Reino das Águas e pela sabedoria do pajé.



Numa tarde abafada, depois de uma farta pesca com os homens de sua tribo, Tapui se sentia exausto e se encontrava em um lago quase todo coberto pela sombra das árvores e tão fresco, que resolveu deitar em sua canoa para contemplar os desenhos que as folhas e os galhos das árvores faziam no céu. Não foi longo o tempo que o levou a adormecer e quando acordou de um sonho estranho, já no fim do dia, Tapui se viu cercado de sereias e espíritos que habitavam o Reino das Águas. Havia uma expressão estranha no rosto daqueles seres, era como se soubessem melhor que Tapui quem ele era e não sabiam se gostavam dele ou não.

O índio recobrou no mesmo instante todo o medo e reverência inexplicável de sua infância e sua maior ambição consistia em voltar para a terra. Acontece que enquanto dormia, se mexeu demais por causa do sonho e deixou o remo, aquele com algas mágicas, cair no leito do rio.



*Continua. Ou não.

Um comentário:

Anônimo disse...

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