terça-feira, 2 de outubro de 2007

As dores de Alice

Nada mudou realmente. Ando desconfiando que o preço que meus sonhos cobram são pagos em horas tediosas. Salas de aula, palavras esterilmente proferidas, pessoas-espelhos. E tudo o que eu posso fazer continua sendo olhar as nuvens passando na janela ou palavras passando no papel. Quando não posso, conto-me histórias para passar o tempo.

(Luiz me disse que os sonhos estão realmente caros).

A dor de cabeça lhe enfraquecia. Lembrava-se das últimas dores; a que veio antes da menstruação, a que veio com o frio, o calor, o clima seco, o cansaço, a desilusão. Não se importava com a dor, simplesmente atribuía-lhes razão de ser. Alice fumou um cigarro, deitou na beirada da cama com a cabeça pendendo. Viu a sujeira debaixo do armário. Pensou em aranhas e em seu medo delas. Pareceu-lhe que o medo era uma outra espécie de dor de cabeça.
Descartou mais um pensamento insípido enquanto de cabeça para baixo sentia seu crânio latejando e seus olhos relutantemente abertos ajudavam os dedos a escolher qualquer canção no seu mp4. Imaginou cenas no mesmo tom das músicas e acabou escolhendo qualquer disco que lhe remetesse a outros tempos. Foi levada para noites passadas que não viveu com velas, almofadas, chão de madeira, nenhuma mobília, verão, tristeza, um violão melancólico e a calma de tempos sem computador.
Ouvindo The Reminder a voz da cantora que soava límpida e chatinha a faz sentir-se bem, quase aconchegada no lugar imaginário que acabara de criar. Sorri, aumenta o volume, levanta-se rapidamente e antes que a cabeça pare de rodar e seus joelhos recuperem a força, dança imperceptivelmente até a cozinha e toma um comprimido.