domingo, 30 de setembro de 2007

Aparece Claire

Claire se descobre sozinha na tarde de domingo. Depois de conversar sobre amores desfeitos, amores em tempo, percebe-se no meio de conversas de futuros amantes e entre amantes imaginários. Suspira e exala fumaça, com cheiro de flor de cerejeira. Hoje ela não faz sentido. O sentido nela se faz. Incorpora ciúmes alheios e confunde-os com seus próprios. Hoje está para as dores de amor de qualquer um, inclusive as suas.
Da varanda, reflete entre as mentes sua e dele enquanto aguarda a demorada e breve correspondência; ela tão bem conhece os pensamentos que habitam na mente do seu artista. Poeta. Tão subjetivo, tão comunicativo através dos espaços, risadas e migalhas. E responde-lhe sem que ele tenha se manifestado abertamente:

“Não quero perdê-lo, mas se o for, quero que me perca antes, mesmo que nunca nos tenhamos tido. Bloqueio-o de mim por paredes de várias espécies de matéria e pensamento, desfaço-me de seus apegos, de sua arte e de seus versos e de meus sonhos de nós, mas não o perderei sem sequer poder tê-lo tido. Jamais.
O desvão que se abre em mim neste momento é obscuro e possui um trampolim. Ao final irei conquistá-lo; homem, artista da minha própria arte. Ao final irei esquecê-lo, serei mulher, serei minha artista. Serei só minha?
Entre sentimentos torvelinhos reato-me ao texto que corre entre nós dois e preparo-me para o inevitável, para o não poder ser de. Há, aí, em sua companhia, outros artistas, tão diferentes do que sou, tão próximos. Pior; há aí mesmo outra artista. E com o que nem eu ouso chamar de arte, em vão me expresso, me desabafo entre pixels e o nada, choro e salvo minhas lágrimas pitorescas em bitmap, para não perder o pesar.”

sábado, 29 de setembro de 2007

Na prateleira mais baixa do armário do meio descubro versos. Meus. Ou mais ou menos meus. Digamos que já tenham sido meus ou passado por mim. Não sei a quem pertencem agora. Se a eu que já fui, a eu que ainda sou ou a eu que totalmente diferente sou.
Tinha então 16 anos. Descobri que gostava do meu jeito de ser então. E que já vivi a maior parte do que eu queria ter vivido quando daqueles dias. Não me preocupo se isso é compreensível a outros olhos. Ou se eu dissesse olhando para meus olhos de então que tudo ia acontecer, que aqueles amores estavam por vir, que aquele vento correria fresco nos meus cabelos de hoje e que as sementes de árvores que eu nem sabia quais era brotariam em mim e revelariam sua essência. Sim, eu reli minhas sementes hoje, encontrei suas cascas no fundo do armário do meio.
Descobri coisas a meu respeito que já havia esquecido, ou desonestamente tentado deixar de lado. Um quê de solitária, de viajante e exploradora que não sei se tenho mais. Daqueles dias, ainda não conquistei a sonhada liberdade de ir onde e quando. As amarras que me atam, no entanto, estão enlaçadas com outros apegos, desta vez meus próprios apegos. Vejo neste instante que tenho minhas próprias amarras, que elas me doem, mas me mantêm. Onde? Hoje não vou porque não quero; acho que não quero ir. Antes não podia, agora não sei se quero ir neste instante. Acho só que preciso de mais bagagem, talvez proteção. Talvez menos bagagem. É. Não vou agora porque preciso de menos bagagem.

Então revejo versos e desejos antigos. E surge uma antiga necessidade de escrever como se eu tivesse 16 anos e fome de botar pra fora.