quarta-feira, 30 de abril de 2008

Diálogos

Pai e filha na fila das Sendas, ao lado da sala de culinária:

- Papai, pra que serve aquela sala?
- Ah, ali acontecem aulas de culinária.
(o pai reflete acerda da abstração da palavra)
- Você sabe o que é culinária?
(expressão entre vaga e tímida)
- Não...
- É a arte de cozinhar!
(aí eu realmente pensei que o pai fosse se complicar com o desenrolar da conversa)
- O que é arte?

Seria uma continuação incrível pra um diálogo de fila de supermercado, mas ao contrário eu ouço a pequenina dizer:
- Ah, é fazer feijão, sorvete...


Duas universitárias no sofá, assistindo novela:

- O Ferraço e a Maria Paula vão casar!
- Ah, também acho! Até porque ele agora está mudando e vai se apaixonar de verdade pela Maria Paula.
- Tá doida? E você por acaso acredita em homem?
- Claro que não, mas eu acredito em novela.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

As dores de Alice II

Alice deitada em sua cama tentava acordar. Já passava das oito e havia toda a rotina para recriar. Difícil levantar-se, mesmo com a persiana quebrada pela sua falta de delicadeza, pois agora a luz dominava o quarto todas as manhãs com seu calor. Mas hoje a claridade era demais até para acordar. Tanta luz assim doía os olhos e escurecia os pensamentos. Tenta se cobrir. Mas o frescor da manhã se foi, seu corpo começa a se molhar. Alice não é mais criança pra se esconder do dia por vir debaixo das cobertas. Aliás, essa reflexão a lembra de um louco professor explicando o porvir. O porvir não, o devir! O porvir não passa do futuro, o devir o excede. O professor da época da faculdade lhe diz em sua memória com os olhos arregalados e a mão negra apontando um dedo pro nada “O rio de ontem não é o mesmo do hoje!”. Decide que é assunto deveras incômodo e indigesto para toda aquela opressora luz do dia inteiro começando. Ou recomeçando, se usar o rio de Heráclito como metáfora.
O que fazer agora, o que fazer? Estala as costas se espreguiçando e quando termina deixa um pouco de luz entrar pelos ouvidos e se ouve dizendo para a janela: atraso, banho e chá de jasmim.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Rio de Janeiro, 1º de abril de 1963.

Amada,

Escrevo estas timidamente porque hoje meu silêncio habitual não contém meu sentir. Quero te desejar feliz aniversário. Você não tem idéia – você realmente não sabe – o quanto a sua presença no mundo me faz bem e o quanto eu sou grato ao que quer que seja responsável pela nossa existência, de poder ter vindo ao mundo na mesma época em que você passa por aqui nestas formas tão belas, com esta alma tão belamente lapidada que escapa pelos seus olhos. Claro que você nem imagina, afinal, já faz mais de mês que não nos falamos, e foram só três as vezes que nos vimos, apesar de que você me beijou em todos esses encontros e senti como se fosse experimentar estes beijos pela primeira vez ainda muitas vezes. Sim, por certo, sou patético. Pode apostar que tento viver aqueles versos dos seus sambas preferidos tentando não lembrar do quanto sofreram todos aqueles que os escreveram.
Mas é seu aniversário, e eu só quero comemorar, querida. Dar um abraço, afagar seus cabelos curtinhos. Como não faço idéia de onde te encontrar, escrevo esta carta pra enviar quando souber seu endereço. Ando trabalhando e estudando demais, espero poder me dedicar a descobrir seu paradeiro em breve.
Na verdade, já faz dias que penso neste seu aniversário. Acredite, dias. Mesmo que faça semanas que você já tenha se esquecido da minha existência. Estava cumprindo com afinco a tarefa de não me dirigir a você. Até que hoje no táxi passei pelo porto e o motorista comentou “esses navios são lindos”. Não sei o que isso ter a ver contigo, mas foi o que me despertou o desejo de lhe escrever. Ainda assim, era só um desejo, você sabe como sou meio austero com meus desejos. Mas a viagem era longa, eu estava indo pra Ilha do Governador e novamente seu taxista – claro que era seu, só me fez lembrar de você – disse que morava perto da sua escola de samba preferida. Jude, sua escola de samba! Talvez fosse um sinal. Então fiz a minha brincadeira particular com o destino e disse pra essa entidade que encaminha sinais e lê mentes que precisava de mais um sinal pra te procurar, já que estava tão determinado a te esquecer. E não é que no fim do dia vejo um livro com teu nome? Era o nome da autora. Não lembro o sobrenome, não lembro o título; era fino e verde-musgo. Quem, dentre tantos livros, presta atenção em um pequeno exemplar verde-musgo? Quem, dentre tantos nomes, tem o nome igual ao teu? Então escrevo. Escrevo e te imagino e te desejo. Festejo em mim o dia no qual você, linda, linda, apareceu no mundo.

Um dia espero comemorar tua vida contigo. Mesmo que não seja teu aniversário. Todo dia vai ser como se fosse quando nos reencontrarmos. Claro que vamos nos reencontrar, não se pergunte. Sei bem que teus raciocínios não te deixam ouvir a voz do coração, este que sempre soube o futuro de todos os amores que começam.
Querida, não consigo mais dizer nada. Recolho-me ao mesmo silêncio de quando leio seus versos. De quando ouvi os versos que você fez pra mim, lembra? Ai, como ainda estou apaixonado e nem sei pra onde endereçar esta carta!

Perdoa se me demoro em terminar estas linhas, mesmo já tendo anunciado seu fim. É como me despedir de ti sem saber quando nos retornamos a ver. Olho para este fino papel como olhei seus olhos todas as vezes que nos despedimos, ingenuamente perguntando se te contemplaria novamente, se nos beijaríamos novamente. Ah, como sou tolo, Jude, me perdoa. É que te amo tanto. Nem me preocupo em explicar, você sabe.

Feliz Aniversário. Receba esta carta e o meu amor, que você já tinha, como presente.
Hoje brindarei à sua vida sozinho.


Um beijo,
Antônio.